Dose Dupla #6 Todo caminho deu no mar

Sabia que a canção “É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar” foi escrita por Jorge Amado, no livro “Mar Morto”, e musicada por Dorival Caymmi?
Essa e outras histórias do mar foram compartilhadas no nosso encontro ao vivo de quintas.
Também tivemos como convidada a fotógrafa @amandatropicana que falou um pouco sobre a influência das águas de Janaína em seu trabalho artístico.
E tu? O que o mar te representa?
1_Biografia
_María Madalena Campos-Pons
por Mayara Maluceli
María Magdalena Campos-Pons é uma artista cubana. Escultora, videografista e fotógrafa.
Nasceu entre as plantações de açúcar, en La Vega, Cuba. Foi criada pela primeira geração letrada, após a reforma educacional em Cuba. Em Havana, estudou no Instituto de Arte, e logo se destacou com sua arte contemporânea que dialogava com o mundo.
Ela procura em suas obras criar “narrativas históricas que iluminem o espírito das pessoas e lugares, passado e presente”.
Sua carreira de mais de 20 anos eleva o corpo da mulher negra transformando em símbolo nacional de identidade, perpassando por contextos culturais, socioeconômicos e políticos complexos.
Muitas obras falam sobre exploração do corpo feminino, plantações de açúcar em Cuba e raízes africanas.
“Sou interessada em rituais e tradições, e como ganham espaço no mundo contemporâneo. As tradições africanas são minhas experiências rotineiras”.
O simbolismo da água e dos mares está muito presente em suas obras ao falar sobre da relação oceânica de seus ancestrais e da diáspora de cubanos para os Estados Unidos.

A obra “De la dos aguas”, entre duas águas, é uma instalação fotográfica feita com polaroides em que ela monta um mosaico de duas mulheres (na verdade, é ela mesma), enlaçadas pelo cabelo, em frente a um fundo azul. Elas seguram um barco com esculturas que representam divindades iorubás.
O cabelo se transforma em uma ponte entre as duas regiões: a América e a África. É uma forma de simbolizar e reconstruir o caminho histórico e ancestral entre os dois continentes.
A exposição “Everything is separated by water” (tudo é separado por água) explora as raízes da artistas desde a experiência traumática da saída da África, para Cuba, até chegar aos Estados Unidos. Sempre trazendo contexto sócio-político muito forte.

Dessa exposição, escolhi falar da obra “Elevata”, em que María novamente utiliza a ideia de fotos fragmentadas em um composição com 16 polaroides. Ela está situada no topo do quadro, de cabeça para baixo, seus cabelos simbolizam a raiz em uma extensão gigante caminhando por uma paisagem inventada. A obra reflete a identidade da diáspora multifacetada da artista, em que começa com o comércio transatlântico de escravos da África para Cuba, e segue com sua própria mudança para os EUA.
2_Biblioteca
_Mar Morto, do +UM Coletivo
por Carolina Rolim
Eu e May fizemos essa publicação em outubro de 2019, nas vésperas da Feira Miolos, em SP, dois meses depois do primeiro registro oficial do derramamento criminoso de óleo na costa litorânea do Nordeste brasileiro.
No editorial que escrevemos, o zine era uma tentativa de colaborar com as discussões sobre a tragédia ambiental. E percebo que ainda hoje é.
A notícia mais recente encontrada agora, enquanto escrevo esse texto, é de março de 2020, e ratifica a visão do inferno: o maior acidente ambiental do litoral brasileiro, sem precedentes. E daqui a 30 anos, como vai estar? “A contaminação química dura muito mais tempo do que aquilo que a poluição visual pode sugerir”, é a fala da oceanógrafa Mariana Thevenir.
Um dos pontos em questão no zine Mar Morto, e que podemos estender para antes e depois do desastre, é o racismo ambiental. Racismo ambiental são injustiças cometidas a grupos vulneráveis, geralmente, durante a realização de políticas públicas. Desconhecido pra mim, o termo foi uma chave para entender outros processos que fragillizam a população de classes sem privilégios.
Destacamos uma entrevista com David Zhee, professor da Faculdade de Oceanografia da UFRJ:
“Além do turismo, que é uma das principais fontes de renda do Nordeste brasileiro, tem a questão da alimentação e da pesca, porque muitos pescadores artesanais dependem da pesca de subsistência. Como responder a essa população mais vulnerável ante a falta de capacidade de administrar esse tipo de problema? É uma responsabilidade muito grande; precisamos pensar não apenas para o negócio da indústria do petróleo (...), como também para todos os usos do oceano, de tal forma que um uso dos oceanos não atrapalhe outros usos, como entretenimento, produção de alimentos, turismo.”
Para compor a publicação, usamos fotografias analógicas feitas com pescadores no Rio Vermelho, em Salvador. Na vontade de sangrar a ferida, interferimos na imagem com tinta ecoline vermelha. O nome do zine faz uma alusão à cólera de Yemanjá, presente no livro de mesmo título, de Jorge Amado. “Houve tempos, os mais velhos ainda se recordam, que as fúrias de Yemanjá eram tremendas.”
Gravamos um curta-metragem com os pescadores Jurandir (Banheirinha) e Charles Brown, em junho de 2019. Na ocasião do lançamento, fizemos uma pequena homenagem à atividade da pesca artesanal, lembrando da catástrofe. O vídeo pode ser visto na íntegra aqui:
Uma das falas deles, sobre o antes e depois da globalização, foi transcrita na publicação, assim como a fala de uma pescadora artesanal de Pernambuco. São falas comoventes.
O zine Mar Morto encerra com a frase “e ainda não é o fim…”. Destaco aqui, para finalizar esse texto, um trecho da matéria publicado no portal UOL, em março de 2020:
“A doutora em oceanografia e pesquisadora da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Célia Rocha, afirma que, apesar de o óleo não estar mais visível para a população, o fundo do mar ainda está repleto de fragmentos que não foram completamente limpos. ‘Dá para visualizar as micropartículas e uma consequente redução drástica das populações, porque os derivados de benzeno são extremamente tóxicos a qualquer organismo animal’, explica. Rocha argumenta ainda que essas duas comunidades citadas são a base da pirâmide alimentar marinha. ‘É o que a gente chama de teia, de rede alimentar. Consequentemente, isso vai chegar às populações que se alimentam de zooplâncton, como peixes e outros animais; e na meiofauna marinha, como crustáceos, moluscos etc.. A médio e a longo prazo, a gente ainda vai ter consequências desse óleo’, assegura.”
Essa publicação do +UM Coletivo está à venda na Banca Vermelha e segue na sua missão de “não apagamento” dessa memória criminosa.
3_Entrevista
Entrevistamos a fotógrafa Amanda Tropicana, que tem um trabalho belíssimo sobre Yemanjá e Salvador.
A gente sempre começa a conversa pedindo pra pessoa convidada se apresentar, e fala um pouco da experiência em participar de uma exposição coletiva no Louvre :)
Pensando no convite que vocês fizeram, eu pensei “como eu vou falar da minha trajetória na fotografia e trazer o mar?”. E cheguei à conclusão que eu comecei abençoada pela Baía-de-todos-os-santos, porque a minha primeira fotografia foi ela, em 2005, eu tinha 14 anos, e no caminho voltando pra casa eu tinha feito uma foto de um rapaz no contraluz e quando eu fiz a foto, no por-do-sol, eu olhei e fiquei besta com aquilo tudo que eu vi na imagem, com aquele dourado na água… Então foi a partir daquilo que a Baía de todos os santos me empurrou praquilo, que foi ela que me fez fotografar, abrir o vidro da janela do carro de meu pai e tirar uma foto. E câmera não era minha, era de minha tia, então… Eu parei pra pensar em como eu contaria isso e entendi que eu comecei abençoada por ela. Então eu quero agradecer à Baía de todos os santos ter me empurrado pra fotografia e água é assim mesmo, se tem que jorrar é pra espalhar.
Desde 2005 eu não parei. Em 2009 foi a minha primeira experiência profissional, eu trabalhava num estúdio de fotografia como segunda fotógrafa e fazia também eventos. Mas em 2011, que foi a minha primeira festa de Yemanjá como fotógrafa, que as coisas começaram a aflorar de outra maneira. eu entrei na faculdade de Fotografia, na UniJorge, e lá tendo acesso às matérias de fotografia documental e fotojornalismo eu percebi que, por mais que eu estivesse trabalhando numa empresa com eventos, meu negócio era a rua, foi como eu comecei. Então eu sempre dava um jeito de estar na rua fotografando alguma coisa, mesmo antes de trabalhar, eu andava com minha compacta na bolsa, eu sabia que teria o que fotografar. Então eu sempre tive atração e meu trabalho permaneceu quando eu tive acesso a conhecimentos, fiz pesquisa para as aulas de fotografia documental e fotojornalismo e a partir daí ficou, vou chamar aqui de memória ancestral, pois foi o que aflorou [como tema] na pesquisa e quando eu vi já estava fazendo. Minha primeira festa de Yemanjá coincidiu com a minha entrada na faculdade de Fotografia e coincidiu com a minha vontade de estudar a festa de Yemanjá.
De forma independente eu fiquei indo na colônia de pescadores do Rio Vermelho, comecei a pesquisar livros que falavam da festa ou sobre Yemanjá; um ano depois foi a minha introdução no candomblé - que graças à festa me cutucou algumas coisas. Eu fiquei muito curiosa com as pesquisas e dentro do curso de fotografia surgiu uma pesquisa que ia falar sobre algumas mães de santo que ainda estavam vivas em Salvador, na época. E eu fiquei muito curiosa e essa curiosidade foi ficando cada vez maior e quando eu vi estava começando como visitante, como fotógrafa, e foi assim… Até chegar na casa em que eu sou filha, o Ilê Axé Tadê Patiti Oba, que fica na região da Federação, que é uma casa que também tem uma relação muito forte com a Rainha das Águas, porque Yemanjá é dona de todas as cabeças, então não tem como falar de candomblé sem falar dela, uma peça fundamental de manutenção da religião. Na festa é um momento de muita emoção a entrega do presente da nossa casa.
No fotojornalismo ainda continuo latente aquela coisa “eu preciso falar de Yemanjá” e já estava há 4, 5 anos fotografando a festa, já tinha feito entrevistas, gravações, tudo de forma voluntária que era pra coletar conteúdo sobre isso, até que me deu o “start”: eu preciso documentar isso de uma forma mais séria. Então eu entrei na faculdade de Ciências Sociais, na Uneb, com ênfase em Antropologia, para estudar a festa de Yemanjá. Eu queria falar sobre a sensação da mídia na festa, porque foi uma coisa que me incomodou nesses 9 anos de festa. A mesma sensação que um pescador teve, numa entrevista que eu fiz, quando perguntei quando começou o “boom” da festa e a resposta que ele me deu foi: “Depois que a televisão começou a vir todo ano a festa começou a ficar isso aí.”
Então eu percebi que as novas mídias e até mesmo o Instagram trouxeram um novo olhar sobre a festa. A gente percebe a mudança de comportamento que tem acontecido e como estou lá há 9 anos, a primeira festa que eu vi não é a mesma de hoje nem sonhando.
E a minha pesquisa começou em Salvador, foi pra Itaparica, foi pra Cachoeira, foi pra Maceió... Tudo isso eu fui documentando e pretendo fazer mais. Essa é a minha relação com Yemanjá.
Festa popular na Bahia, sem a parte profana, não existe! Só que nos últimos anos, com essa festa no largo próximo à praia tem se misturado muito, então tá perdendo a essência do que eu vi, e esse ano me impactou a quantidade de lixo que tinha 4h da manhã na praia. O pessoal gritando Odoyá e aquele lixo todo ali? Que merda é essa? Que pensamento é esse?
Não me incomoda as festas profanas existirem, mas talvez tenha que voltar a um formato que não interfira na praia.
Alguns terreiros que eu registrei nesse processo não vão mais à festa em 2 de fevereiro, preferem ir outro dia porque aí não tem gente interferindo na parte sagrada deles, tem gente que se joga, que tira foto… Precisa repensar num outro formato dessa festa e acredito que se a gente não fizer alguma coisa ainda em tempo, a gente corre o risco de perder um patrimônio cultural da cidade.
Tu vislumbra algum formato final pra esse registro todo?
A ideia já teve diversos desdobramentos. Teve um em que foquei nos pescadores, tanto que eu viajei pra alguns lugares pra fotografar a prática da pesca artesanal. Fiquei imersa [nesse recorte da pesquisa] por um tempo. Ele saiu dessa potência que é a festa de Yemanjá e se desdobrou pra questão das pessoas que fazem a manutenção da vida no mar e que interferem na vida da cidade, pescadores, marisqueiras, tanta gente envolvida, e a gente percebe que não dá pra falar de Salvador sem falar da vida das pessoas que vivem no mar e que vivem para o mar também.
Esse ano eu tava prometendo pra mim que iria finalmente fechar com uma publicação, ou com uma exposição, tava vendo com gráfica orçamentos, e eu iria focar numa série que viraria um livro e uma exposição chamada “Azul Bahia”, e que me aconteceu justamente na festa desse ano. Eu estava lá e fiz uma foto que quando eu vi pensei: “gente, esse azul só tem aqui”. Já foi explicado cientificamente sobre a luz de Salvador, mas não tem outra definição, não é azul turquesa, não tem outro nome que não seja “azul Bahia”. E esse nome surgiu de um álbum de uma cantora chamada Talita Avelino. No meio do fuzuê todo da festa eu pensei em fazer fotos pra essa série e pensei: “esse ano, vai!”, e veio a quarentena… Mas eu não desisti, não.
No início da quarentena, eu vi que tu chegasse a disponibilizar um material sobre fotografia e queria que tu falasse da experiência como educadora, como tu sente esse movimento de educar as pessoas por meio do olhar.
Eu sinto que eu preciso fazer isso porque eu também sou uma pessoa que participava de oficina. Eu buscava conhecimento, eu sou autodidata, eu buscava conteúdo onde eu pudesse aprender alguma coisa, consumindo, procurando texto, vídeo, procurando aprender sozinha.
A área de fotografia é muito cara, mesmo hoje que está mais popularizado por conta dos celulares, ainda assim é uma área que impossibilita certas pessoas de terem acesso a certas informações pelo valor que é ser fotógrafo, em números $. Aqui em Salvador tinham pouquíssimos cursos e os preços, na maioria das vezes, eram fora da minha realidade, então eu sempre pensei nisso, que o conhecimento tem que ser propagado e não só guardado pra mim porque assim quando eu for embora ele vai junto, então é melhor compartilhar e somar e multiplicar do que guardar só pra mim.
Normalmente minhas oficinas são com preços populares ou gratuitas, pensando justamente nessas “Amandas” que existem por aí e eu penso em continuar dessa forma. Claro que não posso sempre trabalhar dessa forma porque eu vivo de fotografia, não trabalho de outra coisa, então algumas vezes eu preciso pensar de forma mais elaborada, mas ao mesmo tempo que eu penso lá eu penso aqui, pois não consigo pensar em algum lugar sem considerar quem está vindo. Minha próxima atividade agora é justamente levar fotografia para os mais novos, de comunidades, de forma gratuita, que foi uma coisa que fiz no ano passado e gostei da experiência e quero repetir em mais lugares da cidade.
Da mesma forma que eu tive esse “start” nova, de ter entendido que a fotografia era, talvez, um caminho, tem outras pessoas que também podem ter essa dúvida ou podem até se encontrar, da mesma maneira que eu me encontrei. Eu sempre vou tentar puxar quem pode aprender comigo também. @abancavermelha
Educar é essa troca, é uma via de mão dupla…
Justamente! O conhecimento sem a troca não vale nada, né!? É melhor compartilhar pra se transformar em outras coisas do que guardar pra não virar nada. A leitura [interpretação] vai ser de cada um, de acordo com sua vivência, sua experiência, então pra quê guardar?
Carol pediu pra você falar da série Barravento Contemporâneo…
Vamo lá! (risos)
[Barravento] Está na minha lista de referências de fotografia com o mar, que é o Glauber Rocha, porque o filme mexeu muito com meu imaginário, principalmente por ter assistido uma Bahia que eu não vivi e que, por mais que eu não tenho vivido, ainda reverbera nos dias de hoje. Aquele filme mexeu muito com a minha cabeça e também fiquei pensando que eu poderia fazer alguma coisa, se eu pudesse ir de madrugada (que foi quando assisti ao filme) pra rua, eu iria de madrugada. Me deu um calor no coração de que eu precisava documentar aquilo também, que eu precisava ver o que ainda ficou, o que ainda tem, porque apesar do filme ter sido gravado muitos anos antes, algumas coisas permanecem.
Quando eu comecei a fazer, de fato, eu não esqueço essa cena: foi um “start” bem aleatório, eu nem sabia se iria dar em alguma coisa, e aí estou em Itapuã, no Farol, passa um pessoal da puxada de rede voltando com o barco. Eu fiquei “gente, é o filme!”, e foi assim, de uma forma despretensiosa, não foi proposital, não tinha entrado em contato com ninguém, eu tava ali na minha viagem, ainda com o filme na minha cabeça, e as coisas foram acontecendo.
E também é uma série que foi interrompida justamente por conta da quarentena, senão eu iria viajar por outros lugares aqui da região metropolitana ou do Recôncavo, pra poder falar um pouco dessas coisas que tinha lá naquele filme e que eu sei que tem ainda hoje, espalhados por outras cidades, ainda acontece. Mais uma coisa que a quarentena cortou, mas é uma pausa, é pra descansar um pouquinho…
Queria finalizar com as tuas referências, se puder compartilhar um pouquinho com a gente.
Vou começar com a minha lista, algumas vivas outras não, mas que tem tudo a ver com o que a gente tá falando. A minha primeira grande referência são os meus pais, que são baianos e sempre tiveram essa relação com o mar. Eu nasci no Rio, mas com 3 meses de vida eles me trouxeram pra batizar aqui, pra não ter erro (risos)! E uma coisa que fica sempre latente na minha cabeça quando penso nisso, nos meus pais e nessa minha relação de infância com o mar de Salvador, me lembra que minha última vinda [criança] em férias, eu participei de uma puxada de rede em Piatã. eu era pequena e tava achando que ajudava pra caramba ali a puxar a rede. Tem foto disso, sempre que eu vejo uma puxada de rede parece que o tempo trava ali. Então minha grande referência são essas vivências que meus pais me deram, não só nessa questão do mar, mas vivência de festa popular, de rua, de feira. Meus pais são essas pessoas. Minha mãe tá no céu agora, mas continua fazendo bagunça lá em cima. Então minha referência é essa, de barulho, de feira, de gente, de festa, de alvoradas, enfim… Essas vivências eu já carrego comigo, como trajetória. E com a fotografia só fez somar, como eu disse, juntei a faca e o queijo, e aconteceu!
A minha segunda referência, maior de todas também, é a minha família de santo, que me dá o suporte não só espiritual, mas de conhecimento pra que hoje eu esteja aqui falando sobre isso, por exemplo. Porque não adianta só falar de fora quando eu posso também estar dentro. E isso eu aprendi em curso de Ciências Sociais, que a gente não pode só falar de forma superficial e eu não entrei na religião pra poder “ficar dentro”, que foi o caso de Pierre Verger, por exemplo. Eu entrei nessa religião porque pra mim foi um chamado. E eu entendo que comecei com Yemanjá porque foi ela quem terminou de empurrar, do tipo: “ó, seu negócio tá aqui e você tá fugindo…”. Então o candomblé é a minha maior referência porque é o que eu falo, é o que eu vivo e é o que eu acredito. Não tenho como falar do meu trabalho sem falar da minha religião, ela tá ali impressa em todas as fotos.
Eu tenho uma outra referência também que é o meu companheiro, Tarcio Vasconcelos, ele é da área de artes visuais, a gente se conheceu por causa do trabalho, dessa relação, ele tem muitos trabalhos sobre os orixás e a gente se conheceu por conta disso e acabou que tempos depois viramos casal, mas ele é uma grande referência porque o trabalho dele mexeu muito comigo desde que a gente se conheceu, porque me ajudou nessa questão de referências iconográficas para meu trabalho.
Na fotografia, Verger foi referência por um período, mas depois eu me questionei: “por que eu não tenho referências negras?”, então fui buscá-las e conheci a Lita Cerqueira, que também tá viva até hoje, é uma super fotógrafa, uma mulher foda, e que me trouxe várias referências sobre uma Bahia que eu não vivi, mas continuo vivendo porque até hoje existe. Ela fotografava muito a Feira de São Joaquim, tinha uma foto dela da festa de Yemanjá que mexia muito com meu imaginário. Ela é uma grande referência pra mim e virou ainda mais quando eu soube que era uma mulher, que era negra, então aquilo me balançou muito, no sentido de “po, me encontrei!”.
Tenho uma outra referência que é o Lázaro Roberto, um fotógrafo daqui, que só vim conhecer depois desse questionamento: “onde estão os fotógrafos negros? Cadê essas referências? Eu preciso tê-las!”, porque se eu existo, teve alguém que fez antes também! Não foram só esses nomes que são falados o tempo inteiro. E esse ano eu tive a sorte de participar de um documentário sobre ele. A gente trocou umas referências do que ele fotografou e do que eu fotografo agora e a gente viu que estamos falando do mesmo assunto, claro que em contextos diferentes, mas a gente continua o mesmo fio.
Sobre a festa de Yemanjá, um outro fotógraf, e o negro que mexeu muito com meu imaginário foi o Walter Firmo. Eu lembro que também via várias fotos dele, fotos analógicas, inclusive uma foto que me lembrava o filme Barravento.
Esses 3 fotógrafos mexem muito comigo até hoje, principalmente a Lita e o Lazáro.
Trazendo pra um outro lado tem o Caymmi, o Caribé, que também falar sobre as pessoas da cidade e não lembrar do trablaho dele é impossível, tem um pouco dele na minha fotografia, na forma de compor, pensar nas cores, Jorge Amado nem se fala! Foi lendo os livros dele que eu me interessei em saber o que era Yemanjá, candomblé, ele me cutucava através das palavras e apesar de ter sido escrito muito antes, é uma Bahia que ainda existe, eu repito isso. Pra quem tá aqui vivendo o tempo todo, consegue enxergar certas semelhanças, pode passar anos e anos e sempre vão existir certos personagens, não de forma como ele usava, mas tem muitas coisas ali que se encontram em nossa vida, em nosso cotidiano.
Essas são minhas referências, eu fiz um resumo dessas que estão ligadas ao mar, à minha religião, tem outros que acompanho (Hugo, Jailton Rios, Regiane Rios). Tem uma galera que tenho acompanhado.
Muitíssimo obrigada por ter participado aqui da Banca!
Obrigada vocês por terem feito o convite. Como eu disse, não existe conhecimento sem a troca, então da mesma forma que estamos aqui trocando, também anotei algumas coisas que vocês falaram [no ao vivo], antes de eu entrar. Foi muito importante ter recebido esse convite num momento como esse... Eu posso dizer que esse ano Yemanjá me trouxe pro rumo, porque no meio de uma quarentena em que estamos cansados de tanta informação e numa semana em que eu tinha sofrido muito com algumas coisas que estava acontecendo no mundo, principalmente com as questões raciais, eu estava me sentindo doente com tudo, e pensei: “preciso fazer alguma coisa”. E revirando meus arquivos, achei aquela foto do balaio que vocês compartilharam e falei: “é isso que a gente precisa ver”, então eu botei lá que as águas acalmam a cabeça, e pedi coletivamente que Yemanjá trouxesse essa paz pra gente. Então num momento como esse falar desse assunto, ainda mais numa quarentena, só me confirma isso, que sempre ela vai melhorar as cabeças, sempre vamos ficar bem quando a gente se conectar com ela, estivermos próximos a ela. Independentemente de ser religioso ou não, que ela traga esse momento que a gente precisa, essa paz, essa elevação de conseguir respirar em tempos de tanta falta de ar. É isso!
No Spotify, criamos a playlist da Banca Vermelha. Para cada live, selecionamos algumas músicas que se relacionam com o tema. <3